Não pense que uma pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro. A gente é muito preciosa, é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perde o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades – depois disso fica-se um pouco um trapo.
Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo o interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu. Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões – cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.
Não pude deixar de lhe querer mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez o pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado.
Ouça: respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você. Não queira fazer de você uma pessoa perfeita. Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – esse é o único modo de se viver.
Se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia, seria punida e iria para um inferno qualquer. Se é uma vida morna, não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que a sua vida exige. Parece uma moral amoral, mas o que é verdadeiramente amoral é ter desistido de si mesma.
Carta de Clarice Lispector a sua então secretária Olga Borelli.